domingo, 22 de agosto de 2010

História, Cultura e Texto

RESUMO

HISTÓRIA DA CULTURA


HISTÓRIA, CULTURA E TEXTO.
Lynn Hunt

A sociologia histórica tornou-se um dos mais importantes subcampos da sociologia, e talvez tenha sido o que mais rapidamente se desenvolveu; enquanto isso, a história social superou a história política como área mais importante de pesquisa histórica.
Na história, o avanço para o social foi estimulado pela influência de dois paradigmas de explicação dominantes: o marxismo e a escola dos Annales.
No final da década de 1950 e nos primeiros anos da de 1960, um grupo de jovens historiadores marxistas começou a publicar livros e artigos sobre a “história vinda de baixo”. Com essa inspiração, os historiadores da década de 1960 e 1970 abandonaram os mais tradicionais relatos históricos e instituições políticas e direcionaram seus interesses para as investigações da composição social e da vida cotidiana de operários, criados, mulheres, grupos étnicos e congêneres.
Mas existiu mesmo um paradigma dos Annales? Para Traian Stoinovich a escola dos Annales enfatiza as abordagens seriais, funcionais e estruturais do entendimento da sociedade como um organismo total e integrado. O paradigma da Annales constitui uma indagação sobre como funciona um dos sistemas de uma sociedade, ou sobre como funciona toda uma coletividade em termos de suas múltiplas dimensões temporais, espaciais, humanas, sociais, econômicas, culturais e circunstanciais. É uma definição que deixa muito pouca coisa de fora; conseqüentemente, em seu suposto avanço rumo à história total, perde toda especificidade.
Fernand Braudel postulou três níveis de análise que correspondiam a três diferentes unidades de tempo: a longa duração, dominada pelo meio geográfico; a média duração, voltada para a vida social, e o evento efêmero, que incluía a política e tudo o que dizia respeito ao individuo.
A ênfase da escola dos Annales à história econômica e social logo se difundiu, chegando mesmo às mais tradicionais revistas históricas. Uma vez que a preocupação com os fins econômicos e sociais representa, em termos do desenvolvimento humano, um estágio mais amplo e mais avançado do que a preocupação com os fins políticos e constitucionais, podemos então dizer que a interpretação econômica e social da história representa, em termos da história, um estágio mais avançado do que a interpretação exclusivamente política.
Nos últimos anos, os próprios modelos de explicação que contribuíram de forma mais significativa para a ascensão da história social passaram por uma importante mudança de ênfase, a partir do interesse cada vez maior, tanto dos marxistas quanto dos adeptos dos Annales, pela história da cultura.
O que mais surpreendente exemplo do desvio dos historiadores marxistas para a cultura é o seu interesse pela linguagem.
O desafio aos velhos modelos foi especialmente rigoroso na escola dos Annales. Embora a história econômica, social e demográfica tenha permanecido dominante na própria Annales, a história intelectual e cultural passou a ocupar um sólido segundo lugar à medida que a quarta geração dos Annales passou a preocupar-se cada vez mais com aquilo que, muito enigmaticamente, os franceses chamavam mentalités, a história econômica e social sofreu um recuo em termos de sua importância. Esse interesse aprofundado pelas mentalités levou também a novos desafios ao paradigma dos Annales.
Para Chartier a relação assim estabelecida não é de dependência das estruturas mentais quanto as suas determinações materiais. As próprias representações do mundo social são os componentes da realidade social. As relações econômicas e sociais não são anteriores às culturais, nem as determinam; elas próprias são campos de prática cultural e produção cultural.
Ao se voltarem para a investigação das práticas culturais, os historiadores dos Annales, como Chartier e Revel, foram influenciados pela crítica de Foucalt acerca dos pressupostos fundamentais da história social. Foucault demonstrou a inexistência de quaisquer objetos intelectuais “naturais”. Como explicou Chartier, “a loucura, a medicina e o Estado não são categorias que possam ser conceituadas em termos de universais cujos conteúdos são particularizados por cada época”, são historicamente dados como “objetos discursivos”, e uma vez sendo historicamente fundamentados, e, por implicação, sempre sujeitos a mudanças, não podem oferecer uma base transcendental ou universal para o método histórico. Foucalt não acreditava que as ciências sociais pudessem unir-se na investigação da natureza do homem, exatamente porque repudiava o próprio conceito de “homem” e a própria possibilidade de método nas ciências sociais.
Embora os historiadores tenham se interessado muito pelas criticas de Foucalt, não adotaram seu método – ou antimétodo – como modelo de prática.
Mesmo que Foucalt não tenha sido inteiramente bem sucedido na abertura de um terceiro caminho através dos domínios da história cultural, ao lado do marxismo e da escola dos Annales, não se pode negar sua enorme influência sobre a conceituação do campo.
Qual é, então, o programa da “nova história cultural?” Como a obra de Foucalt, a história mais ampla das mentalités foi criticada pela ausência de um enfoque claro. Furet denunciou que essa falta de definição estimulava uma “busca infinita de novos temas”, cuja escolha era regida apenas pelos modismos do momento.
As criticas de Furet e e Darnton nos advertem vigorosamente contra o desenvolvimento de uma história cultural definida apenas em termos de temas para pesquisa. Assim como, às vezes, a história social passou de um para outro grupo (trabalhadores, mulheres, crianças, grupos étnicos, velhos e jovens) sem desenvolver um senso suficiente de coesão ou interação entre os temas, do mesmo modo uma história cultural definida topicamente poderia degenerar numa busca interminável de novas práticas culturais.
Mas Furet e Darnton são, em alguns aspectos, injustos em suas críticas, sobretudo pelo fato de eles próprios trabalharem com o gênero que atacam. Os historiadores como Chartier e Revel não propuseram simplesmente um novo conjunto de temas para investigação; foram além das mentalités, com o objetivo de questionar os métodos e objetivos da história em geral.
Em lugar da sociologia, as disciplinas influentes hoje em dia são a antropologia e a teoria da literatura, campos nas quais a explicação social não é tratada como ponto pacífico; não obstante a história cultural deve defrontar-se com novas tensões não só dentro dos modelos que oferece, mas também entre eles.
Nos últimos anos, o mais notável antropólogo a trabalhar com a história cultural é Clifford Geertz. A decifração do significado, então, mais do que a inferência de leis causais de explicação, é assumida como a tarefa fundamental da história cultural, da mesma maneira que, para Geertz, era a tarefa fundamental da antropologia cultural.
Roger Chartier questiona o pressuposto de que as formas simbólicas são organizadas num sistema, pois isso implicaria coerência e interdependência entre elas, o que por sua vez pressupõe a existência de um universo simbólico comum e unificado. Chartier questiona a validade de uma busca do significado segundo o modo interpretativo geertziano, pois o mesmo tende a anular as diferenças na apropriação ou no uso das formas culturais. O anseio por ver a ordem e o significado obscurece a existência de luta e conflito.
O próprio Chartier defende uma definição de história que seja basicamente sensível as desigualdades na apropriação de materiais ou práticas comuns. Ao propor essa reorientação que se distancia da comunidade e se volta para a diferença, Chartier revela a influência do sociólogo francês Pierre Bourdieu.
Bordieu reformulou o modelo marxista de explicação da vida social ao dar mais atenção à cultura.
Chartier enfatiza que os historiadores da cultura não devem substituir uma teoria redutiva da cultura enquanto reflexo da realidade social por um pressuposto igualmente redutivo de que os rituais e outras formas de ação simbólica simplesmente expressam um significado central, coerente e comunal. Tampouco devem esquecer-se de que os textos com os quais trabalham afetam o leitor de formas variadas e individuais. Os documentos que descrevem ações simbólicas do passado não são textos inocentes e transparentes; foram escritos por outros autores com diferentes intenções e estratégias, e os historiadores da cultura devem criar suas próprias estratégias para lê-los.
Chartier mostra que, nos primórdios da Europa moderna, o significado dos textos dependia de uma grande diversidade de fatores, desde a idade dos leitores até as inovações tipográficas, como a multiplicação de indicações cênicas. Seu enfoque da relação triangular entre o texto do modo como é concebido pelo autor, impresso pelo editor e lido (ou ouvido) pelo leitor lança dúvidas sobre as clássicas concepções da história da cultura, em especial sobre a dicotomia entre cultura popular e cultura erudita. Ao contrário de Chartier, a maioria dos historiadores da cultura tem demonstrado alguma relutância em utilizar a teoria da literatura de qualquer forma direta.
Para Fredric Jameson a tensão entre a análise daquilo que um texto significa e de como ele funciona é uma tensão inerente à própria linguagem. A unidade não é possível sem uma percepção da diferença; a diferença certamente não pode ser apreendida sem uma percepção contrária da unidade. Assim, os historiadores da cultura realmente não têm de escolher entre as duas – entre unidade e diferença, entre significado e funcionamento, entre interpretação e desconstrução. Assim como os historiadores não precisam escolher entre sociologia e antropologia e teoria da literatura para conduzir suas pesquisas, também não precisam fazer uma escolha definitiva entre as estratégias interpretativas baseadas no desvelamento do significado, por um lado, e as estratégias desconstrutivas baseadas no desvelamento dos modos de produção do texto, por outro.
Embora existam muitas diferenças não só dentro dos modelos antropológicos e literários, mas também entre eles, uma tendência fundamental de ambos parece atualmente fascinar os historiadores da cultura: o uso da linguagem como metáfora. O uso da linguagem como metáfora ou modelo já deu provas de ser inegavelmente significativo e , diria eu, crítico para a formulação de uma abordagem cultural da história. Em resumo, a analogia lingüística estabelece a representação como um problema que os historiadores não podem mais evitar.
Desan em seu ensaio sobre Davis e Thompson, lembra-nos de que o gênero foi uma das mais críticas configurações de diferenciação na cultura e na sociedade. Sem alguma discussão de gênero, nenhum relato de unidade e diferença culturais pode estar completo.
A importância do gênero extrapola sua posição inegavelmente central na vida social e cultural; os estudos da história das mulheres, nas décadas de 1960 e 1970, e a ênfase mais recente sobre a diferenciação dos gêneros tiveram um importante papel no desenvolvimento dos métodos da história da cultura em geral, em particular nos Estados Unidos.
No campo das técnicas literárias de leitura e das teorias literárias os ensaios de Chartier e Laqueur são exemplos notáveis dessa tendência, para Chartier a cultura não se situa acima e abaixo das relações econômicas e sociais, nem pode ser alinhada com elas. Todas as práticas, sejam econômicas ou culturais, dependem das representações utilizadas pelos indivíduos para darem sentido a seu mundo.
Todos os ensaios da Parte II ocupam-se essencialmente da mecânica da representação. Esse interesse encerra, quase necessariamente, uma reflexão simultânea sobre os métodos da história num momento em que novas técnicas de análise começam a ser usadas.
Na década de 1960 deu-se grande ênfase à identificação das tendências políticas de um autor, à tentativa de situar-se como historiador num mundo político e social mais amplo. As questões são agora mais sutis, mas não menos importantes. Os historiadores estão se conscientizando cada vez mais que suas escolhas supostamente objetivas de técnicas narrativas e formas de análise também têm implicações sociais e políticas. Em que consiste esse capítulo introdutório, por exemplo? Ensaios sobre a situação da disciplina freqüentemente têm uma forma canônica própria: primeiro uma narrativa sobre a ascensão de novos tipos de história, depois um longo momento dedicado à exploração dos problemas colocados por novos tipos de história e, finalmente, ou uma queixa sobre os males das novas práticas, ou uma celebração da potencial superação de todos os obstáculos.
No momento, como mostra este livro, a ênfase na história cultural incide sobre o exame minucioso – de textos, imagens e ações – e sobre a abertura de espírito diante daquilo que será revelado por esses exames.
Os historiadores que trabalham com a cultura não devem deixar-se desanimar pela diversidade teórica, pois acabamos de entrar numa nova e extraordinária fase em que as outras ciências humanas estão nos redescobrindo. O próprio uso do termo historicismo é revelador desse desenvolvimento. A ênfase sobre a representação na literatura, na história da arte, na antropologia e na sociologia tem levado um número cada vez maior de nossos equivalentes a se preocupar com redes históricas nas quais seus objetos de estudo são apanhados.


A “NOVA” HISTÓRIA CULTURA EXISTE?

Roger Chartier

Em primeiro lugar, centrando a sua atenção sobre as linguagens, as representações e as práticas, a nova história cultural propõe um modo inédito de compreender as relações entre as formas simbólicas e o mundo social. A abordagem clássica, ligada à localização objetiva das divisões e das diferenças sociais, ela opõe a sua construção móvel, instável, conflitual, a partir das práticas sem discurso, das lutas de representação e dos efeitos performativos dos discursos.
Em seguida, a nova história cultural encontra modelos de inteligibilidade em vizinhos que até ai os historiadores tinham freqüentado pouco: de um lado os antropólogos; de outro, os críticos literários.
Enfim, essa história, que se fez mais de estudos de casos do que de teorização global, levou os historiadores a refletir sobre as suas próprias práticas e, em particular, sobre as escolhas conscientes ou as determinações ignoradas que comandavam o seu modo de construir as narrativas e as análises históricas. Afirmava assim a convergência entre pesquisas nascidas em contextos diferentes, como por exemplo, nos Estados Unidos e na França.
A nova história cultura dos anos 1980 era claramente definida em oposição a postulados que até então tinham governado a história das mentalidades. Em primeiro lugar, o objeto da história das mentalidades é oposto daquele da história intelectual clássica. Às idéias, que resultam da elaboração consciente de um espírito singular, opõe-se a mentalidade, sempre coletiva, que rege automaticamente o conteúdo impessoal dos pensamentos comuns. Tendo por objeto o coletivo, o automático, o repetitivo, a história das mentalidades pode e deve tornar-se serial e estatística.
Duas conseqüências decorrem do primado concedido às séries, e por conseguinte ao estabelecimento e tratamento de dados homogêneos, repetidos e comparáveis, com intervalos temporais regulares. A primeira é o privilégio dado às fontes mais numerosas, largamente representativas e disponíveis para um período longo. A segunda consiste na tentativa de articular, de acordo com o modelo braudeliano das diferentes temporalidades, o tempo longo das mentalidades, que com freqüência resistem à transformação, com o tempo curto dos abandonos brutais ou de rápidas transferências de crenças e de sensibilidade.
Uma terceira característica da história das mentalidades na sua idade de ouro procede da forma ambígua de pensar a sua relação com a sociedade. A noção parece, efetivamente, destinada a apagar diferenças a fim de encontrar categorias partilhadas por todos os membros de uma mesma época. O reconhecimento dos arquétipos de civilização partilhados por uma sociedade inteira não significa certamente a anulação de toda a diferença entre os grupos sociais e clérigos e laicos. Mas estas distâncias são sempre pensadas no interior de um processo de longa duração que produz representações e comportamentos essencialmente comuns.
Para outros historiadores das mentalidades, mais diretamente inscritos na herança da história social, o essencial reside no nó que liga as distâncias entre as maneiras de pensar e de sentir as diferenças sociais. Uma tal perspectiva organiza a classificação dos fatos de mentalidade a partir das divisões estabelecidas pela análise da sociedade.
Como explicar o sucesso, tanto entre historiadores como entre leitores, na França e fora da França, da história das mentalidades, nos anos 1960 e 1970? Sem dúvida porque uma tal abordagem permitia, na própria diversidade, a criação de um novo equilíbrio entre história e ciências sociais. A atenção deslocou-se então para objetos (sistemas de crença, atitudes coletivas, formas rituais, etc) que até ai pertenciam a outras disciplinas, mas que estavam plenamente numa história das mentalidades coletivas.
Carlo Ginzburg ampliava a crítica, recusava a noção de mentalidade por três razões: para começar, pela sua insistência exclusiva em elementos inertes, obscuros e inconscientes das visões do mundo, o que reduz a importância das idéias racional e conscientemente enunciadas; em seguida, porque pressupõe indevidamente a partilha das mesmas categorias e representações por todos os meios sociais; finalmente, pela sua aliança com os procedimentos quantitativos e seriais que, em conjunto, retifica os conteúdos do pensamento, liga-se às formulações mais repetitivas e ignora as singularidades. Os historiadores eram assim convidados a privilegiar as apropriações individuais, mais do que as distribuições estatísticas, a compreender como um indivíduo ou uma comunidade interpretavam, em função da sua própria cultura, as idéias e as crenças, os textos e os livros que circulavam na sociedade que era a sua.
A crítica dirigia-se a dois postulados essenciais da história das mentalidades: por um lado, atribuir a uma sociedade inteira um conjunto estável e homogêneo de idéias e de crenças; por outro lado, considerar que todos os pensamentos e todos os comportamentos de um indivíduo são governados por uma estrutura mental única.
O processo talvez fosse injusto dado que a história das mentalidades não reteve e aplicou apenas uma definição globalizante da noção. Soube estar atenta às distinções sociais que comandam, numa mesma sociedade, diferentes maneiras de pensar e de sentir ou diversas visões do mundo, e nem sempre ignorou a presença possível, num mesmo individuo, de várias mentalidades, distintas ou mesmo contraditórias. Porém, mesmo se excessiva, a crítica conduzida contra a modalidade dominante da história cultural abriu caminho a novas maneiras de pensar as produções e as práticas culturais.

A História Cultural: Uma definição impossível?

É grande o risco de não conseguir traçar uma fronteira segura e nítida entre a história cultural e outras histórias: história das idéias, história da literatura, história da arte e etc. Deveremos mudar de perspectiva e considerar que toda a história, qualquer que ela seja, econômica ou social, demográfica ou política, é cultural, e isto, na medida em que todos os gestos, todos os comportamentos, todos os fenômenos, objetivamente mensuráveis, são sempre resultado dos significados que os indivíduos atribuem às coisas, às palavras e às ações? Nessa perspectiva, fundamentalmente antropológica, o risco é de uma definição imperialista da categoria que, ao identificar-se com a própria história, conduz à sua dissolução.
Esta dificuldade tem a sua principal razão na multiplicidade de acepções do termo “cultura”. Elas podem ser distribuídas em duas famílias de significações: a que designa as obras e os gestos que, numa dada sociedade, se subtraem às urgências do quotidiano e se submetem a um juízo estético ou intelectual; a que visa as práticas vulgares através das quais uma comunidade, qualquer que ela seja, vive e reflete a sua relação com o mundo, com os outros e com ela própria.
Segundo Geertz o conceito de cultura denota um padrão de significados historicamente transmitidos que toma corpo em símbolos, um sistema de concepções herdadas, expressas em formas simbólicas, através do qual os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e atitudes a respeito da vida.
A cultura de uma comunidade será, portanto, a totalidade das linguagens e das ações simbólicas que lhe são próprias. Daí a atenção que os historiadores inspirados pela antropologia presta, as manifestações coletivas nas quais um sistema cultural se enuncia de forma paroxística: rituais de violência, ritos de passagem, festas carnavalescas e etc.

Representações comuns e obras singulares

De acordo com as suas diferentes heranças e tradições, a nova história cultural privilegiou objetos, domínios e métodos diferentes. Seria impossível fazer o seu inventário. Sem dúvida mais pertinente é a identificação de algumas questões comuns a estas abordagens tão diversas. Um primeiro desafio diz respeito à articulação necessária as obras singulares e as representações comuns. A questão essencial que se coloca aqui é a do processo pelo qual os leitores, os espectadores ou os ouvintes dão sentido aos textos de que se apropriam.
Abordagens semelhantes obrigaram ao afastamento em face de todas as leituras estruturalistas ou semióticas que remetiam o sentido das obras exclusivamente para o funcionamento automático e impessoal da linguagem, mas se tornaram por sua vez, o alvo das críticas da nova história cultural. Por um lado, elas consideram freqüentemente os textos como existindo em si mesmos, independentemente dos objetos e vozes que os transmitem, enquanto que uma leitura cultural das obras relembra que as formas que as dão a ler, a ouvir ou a ver, também participam na construção do seu sentido.
Por outro lado, as abordagens criticas que consideraram a leitura como uma “recepção” ou uma “resposta” universalizaram implicitamente o processo de leitura, tomando-o como um ato sempre semelhante cujas circunstancias e modalidades concretas não teriam importância. Contra um tal apagamento da historicidade do leitor, é bom lembrar que também a leitura tem uma história e que a significação dos textos depende das capacidades, das convenções e das práticas de leitura próprias às comunidades que constituem, na sincronia ou na diacronia, os seus diferentes públicos.
A sociologia dos textos, tem por objeto, o estudo das modalidades de publicação, de disseminação e de apropriação dos textos. Considera o “mundo do texto” como um mundo de objetos e de performances e o mundo do leitor como o da comunidade de interpretação à qual pertence e que define um mesmo conjunto de competências, de normas e de uso.

O Erudito e o Popular

Uma segunda questão que mobilizou a nova história cultural é a das relações entre cultura popular e erudita. Pode-se reduzir os modos de conceber essas relações a dois grandes modelos de descrição e de interpretação. O primeiro desejoso de abolir todas as formas de etnocentrismo cultural, trata a cultura popular como um sistema simbólico coerente e autônomo, que se organiza segundo uma lógica estranha e irredutível à lógica da cultura letrada. O segundo, preocupado em fazer ver a existência das relações de dominação e das desigualdades do mundo social, compreende a cultura popular a partir das suas dependências e das suas carências face à cultura dos dominantes. De um lado, a cultura popular é pensada como um sistema simbólico autônomo, independente, fechado sobre si mesmo; do outro, ela é inteiramente definida pela sua distância face a legitimidade cultural.
Os trabalhos de história cultural levaram a recusar tais distinções tão categóricas.
O destino historiográfico da cultura popular é, assim, o de estar sempre abafada, mas também sempre renascendo. O verdadeiro problema não é datar o desaparecimento irremediável de uma cultura dominada, mas compreender como, em cada época, se tecem relações complexas entre formas impostas mais ou menos restritivas, e identidades salvaguardadas, mais ou menos alteradas.

Discursos e Práticas

Um outro desafio lançado à história cultural, quaisquer que sejam as suas abordagens e objetos, diz respeito à articulação entre práticas e discursos.
A linguagem é um sistema de signos cujas relações produzem a partir delas próprias significações múltiplas e instáveis, fora de qualquer intenção ou de qualquer controle subjetivos; a “realidade” não é uma referencia objetiva, exterior ao discurso, mas é sempre construída na e pela linguagem. Uma tal perspectiva considera que os interesses sociais nunca são uma realidade preexistente, mas são sempre o resultado de uma construção simbólica e lingüística, e considera que toda a prática, qualquer que ela seja, está situada na ordem do discurso.
O objeto fundamental de uma história que visa reconhecer a maneira pela qual os atores sociais dão sentido às suas práticas e aos seus enunciados situa-se, portanto, na tensão entre, de um lado, as capacidades inventivas dos indivíduos ou das comunidades e, de outro, as restrições e as convenções que limitam – com mais ou menos força segundo as posições que ocupam nas relações de dominação – o que lhes é possível pensar, dizer e fazer. A constatação vale para as obras eruditas e as criações estéticas, sempre inscritas nas heranças e nas referências que as tornam concebíveis, comunicáveis e compreensíveis. Vale, igualmente, para todas as práticas vulgares, disseminadas, silenciosas, que inventam o quotidiano.
É a partir de uma tal constatação que se deve compreender a releitura, pelos historiadores, dos clássicos da ciências sociais e a importância de um conceito como o de “representação”, que, por si só, quase chegou a designar a nova história cultural. Esta noção permite, com efeito, ligar estreitamente as posições e relações sociais com o modo como os indivíduos e grupos se concebem e concebem os outros.
Nestes últimos anos, os trabalhos de história cultural fizeram largo uso dessa tripla acepção de representação. A nova história cultural propôs assim a história política e à história social que se tratassem às relações de poder como relações de forças simbólicas, como a história da aceitação ou da rejeição pelos dominados das representações que visam assegurar e perpetuar a sua sujeição.
A reflexão sobre a definição de identidades sexuais, que Lynn Hunt referia em 1989 como um dos traços originais da nova história cultural, constitui uma ilustração exemplar da exigência que está presente hoje em toda a prática histórica: compreender, ao mesmo tempo, como as representações e os discursos constroem relações de dominação e como eles próprios são dependentes de recursos desiguais e de interesses contrário, que separam aqueles cujo poder é legitimado daqueles de que essas representações e discursos asseguram a submissão.


HISTÓRIA E HISTÓRIA CULTURAL

Sandra Jatahy Pesavento

Capítulo I
Clio e a grande virada da História

Clio é a musa da História, nas mãos o estilete da escrita, a trombeta da fama.
Quais seriam hoje, neste novo milênio, os atributos e o perfil de Clio? Cremos que hoje, sua faceta mais recente e difundida seja aquela da chamada História Cultural. Que hoje corresponde a 80% da produção historiográfica nacional.
As alterações ocorridas no panorama internacional datam antes, com a crise de maio de 1968, com a guerra do Vietnã, a ascensão do feminismo, o surgimento da New Left, em termos de cultura, ou mesmo a derrocada dos sonhos de paz do mundo pós-guerra. Foi quando se insinuou a tão comentada crise dos paradigmas explicativos da realidade, ocasionando rupturas epistemológicas profundas que puseram em xeque os marcos conceituais dominantes na História.
A dinâmica social se tornava mais complexa com a entrada em cena de novos grupos, portadores de novas questões e interesses. Os modelos correntes de análise não davam mais conta, diante da diversidade social, das novas modalidades de fazer política, das renovadas surpresas e estratégias da economia mundial e, sobretudo, da aparentemente escapada de determinadas instâncias da realidade – como a cultura, ou os meios de comunicação de massa – aos marcos racionais e de longicidade.
Em principio, podemos dizer que foram duas as posições interpretativas da História criticadas: o marxismo e a corrente de Annales. Foi dentro da vertente neomarxista inglesa e da história francesa dos Annales que veio o impulso de renovação, resultando na abertura desta nova corrente historiográfica a que chamamos de História Cultural ou mesmo de Nova História Cultural.
No final dos anos 80, o materialismo histórico se propunha como a postura teórica que melhor dava conta da realidade brasileira, imersa, a partir de 1964 no autoritarismo de um regime militar que se estendeu até o lento processo de reabertura política dos anos 80.
Suas vertentes de análise preferenciais eram aquelas da história econômica, analisando a formação do capitalismo no Brasil, a transição da ordem escravocrata para a do trabalho livre e o surgimento do processo de industrialização. Por outro lado, realizava-se uma história dos movimentos sociais, em que, particularmente eram estudados o proletariado industrial, com suas lutas de classes, bem como a formação do partido e do sindicato. No tocante a história política, eram privilegiados os trabalhos que discutiam a natureza do Estado e a formação dos partidos políticos no Brasil.
O materialismo histórico não só era entendido como o mais adequado e completo para dar conta das realidades nacional e internacional, como também vinha armado de um aparato teórico definido e coerente, estabelecendo uma clara distancia frente à postura dos Annales, que aparecia como carente de um referencial teórico preciso.
Na virada dos anos 80 para os 90, foi a fundamentação teórica marxista que sofreu as mais duras críticas, condenação esta auxiliada pelo desempenho, mundial, dos regimes políticos embasados nessa postura nas décadas de 1950 a 80, acabando com o acontecimento emblemático da queda do muro de Berlim em 1989.
Denunciava-se um reducionismo das lógicas explicativas da realidade, atrelando a dita superestrutura às injunções da infraestrutura, ou ainda a interpretação que o processo histórico seria uma sucessão de lutas de classe. Por outro lado, o conceito de ideologia foi considerado insuficiente para a análise do chamado “mundo das idéias”, amarrado que estava as determinações da classe e do mecanismo da dominação e subordinação.
A nova historiografia dos Annales inovara com suas categorias de estrutura e conjuntura, conceitos identificadores da longa e da média duração e que passaram a operar como marcos explicativos para uma outra concepção dos marcos temporais na análise da história. Mesmo na sua crítica aos pressupostos marxistas, a história dos Annales privilegiava em sua analise os níveis econômicos e social da realidade, relegando a cultura a uma terceira instância. Entretanto, após décadas de percurso, era acusada justamente de um vazio teórico e um reduzido poder explicativo.
Por vezes, se utiliza a expressão Nova História Cultural, a lembrar que antes teria havido uma velha, antiga ou tradicional História Cultural. Foram deixadas de lado concepções de viés marxistas, que entendiam a cultura como integrante da superestrutura, como mero reflexo da infraestrutura, ou mesmo da cultura como manifestação superior do espírito humano e, portanto, como domínio das elites. Também foram deixadas para trás concepções que opunham a cultura erudita à cultura popular, esta ingenuamente concebida como reduto do autêntico.
Se a História Cultural é chamada de Nova História Cultural é porque está dando a ver uma nova forma de a História trabalhar a cultura. Trata-se antes de tudo, de pensar a cultura como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo.
A cultura é ainda uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais se apresentam de forma cifrada, portando já um significado e uma apreciação valorativa.
Não mais a posse dos documentos ou a busca da verdade definitivas. Não mais uma era de certezas normativas, de leis e modelos a regerem o social. Uma era da dúvida, talvez, da suspeita, por certo, na qual tudo é posto em interrogação, pondo em causa a coerência do mundo. Tudo o que foi, um dia, contado de uma forma, pode vir a ser contado de outra. Tudo o que hoje acontece terá, no futuro, várias versões narrativas. 


Capítulo III
Mudanças epistemológicas: a entrada em cena de um novo olhar


O primeiro conceito que reorienta a postura do historiador é o da representação. Categoria central da História Cultural, a representação foi incorporada pelos historiadores a partir das formulações de Marcel Mauss e Durkheim, no início do século XX.
Mauss e Durkheim estudaram, nos chamados povos primitivos atuais, as formas integradoras da vida social, construídas pelos homens para manter a coesão do grupo e que propõem como representação do mundo. Expressas por normas, instituições, discursos, imagens e ritos, tais representações formam com que uma realidade paralela à existência dos indivíduos, mas fazem os homens viverem por elas e nelas.
As representações construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar deste mundo, como fazem com que os homens percebam a realidade e pautem a sua existência. São matrizes geradoras de condutas e práticas sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do real. Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a realidade.
A representação é conceito ambíguo, pois na relação que se estabelece entre ausência e presença, a correspondência não é da ordem do mimético ou da transparência. A representação não é uma cópia do real, sua imagem perfeita, espécie de reflexo, mas uma construção feita a partir dele.
A uma exposição, uma representação de algo ou alguém que se coloca no lugar de um outro, distante no tempo e/ou no espaço. Aquilo/aquele que se expõe – o representante – guarda relações de semelhança, significado e atributos que remetem ao oculto – o representado. A representação envolve processo de percepção, identificação, reconhecimento, classificação, legitimação e exclusão.
As representações são também portadoras do simbólico, ou seja, dizem mais do que aquilo que mostram ou enunciam, carregam sentidos ocultos, que, construídos social e historicamente, se internalizam no inconsciente coletivo e se apresentam como naturais, dispensando reflexão. Há, no caso de fazer ver por uma imagem simbólica, a necessidade da decifração e do conhecimento de códigos de interpretação, mas estes revelam coerência de sentido pela sua construção histórica e datada, dentro de um contexto dado no tempo.
A força da representação se dá pela sua capacidade de mobilização e de produzir reconhecimento e legitimidade social. As representações se inserem em regimes de verossimilhança e de credibilidade, e não de veracidade. Decorre daí, portanto, a assertiva de Pierre Bordieu, ao definir o real como um campo de forças para definir o que é o real. As representações apresentam múltiplas configurações, e pode-se dizer que o mundo é construído de forma contraditória e variada, pelos diferentes grupos do social. Aquele que tem o poder simbólico de dizer e fazer crer sobre o mundo tem o controle da vida social e expressa a supremacia conquistada em uma relação histórica de forças. Implica que esse grupo vai impor a sua maneira de dar a ver o mundo, de estabelecer classificações e divisões, de propor valores e normas, que orientam o gosto e a percepção, que definem limites e autorizam os comportamentos e os papéis sociais.
Em termos gerais, pode-se dizer que a proposta da História Cultural seria, pois, decifrar a realidade do passado por meio das suas representações, tentando chegar àquelas formas, discursivas e imagéticas, pelas quais os homens expressaram a si próprios e o mundo.
Mas não esqueçamos que o historiador da cultura visa, por sua vez, a reconstruir com as fontes as representações da vida elaboradas pelos homens do passado. Fonte como representação do passado, meio para o historiador chegar às representações construídas no passado. Mais que um mero jogo de palavras, este raciocínio não leva a desconsiderar a realidade sobre a qual se construíram as representações, mas sim a entender que a realidade do passado só chega ao historiador por meio de representações.
Um novo conceito se apresenta como fazendo parte do elenco de mudanças epistemológicas que acompanham a emergência da História Cultural: o imaginário.
Entende-se por imaginário um sistema de idéias e imagens de representação coletiva que os homens, em todas as épocas, construíram para si, dando sentido ao mundo.
A idéia do imaginário como sistema remete à compreensão de que ele constitui um conjunto dotado de relativa coerência e articulação. A referência de que se trata de um sistema de representações coletivas tanto dá a idéia de que se trata da construção de um mundo paralelo de sinais que se constrói sobre a realidade, como aponta para o fato de que essa construção é social e histórica.
Para o historiador Bronislaw Baczko o imaginário é histórico e datado, ou seja, em cada época os homens constroem representações para conferir sentido ao real. Essa construção de sentido é ampla, uma vez que se expressa por palavras/discursos/sons, por imagens, coisas, materialidades e por práticas, ritos, performances. O imaginário comporta crenças, mitos, ideologias, conceitos, valores, é construtor de identidades e exclusões, hierarquiza, divide, aponta semelhanças e diferenças no social. Ele é um saber-fazer que organiza o mundo, produzindo a coesão ou o conflito.
Segundo Lê Goff, tudo aquilo que o homem considera como sendo a realidade é o próprio imaginário, o terreno do imaginário abrange todo o campo da experiência humana.
Para além da ideologia, redutora à classe e preconizada pelo pensamento marxista, ou para ultrapassar a indefinição dos contornos e a precariedade conceitual da mentalidade, o imaginário se ofereceu como a categoria preferencial para exprimir a capacidade dos homens para representar o mundo.
Uma outra vertente de estudo do imaginário se impôs, a partir da Antropologia. Deste campo nos chegam as noções de estruturas mentais, de tendências permanentes de organização do espírito humano. Eles são os arquétipos, elementos constitutivos do imaginário que atravessam os tempos, assinalando formas de pensar e construir representações sobre o mundo.
Para chegar até as sensibilidades de um outro tempo, é preciso que elas tenham deixado um rastro, que cheguem até o presente como um registro escrito, falado, imagético ou material, a fim de que o historiador possa acessa-las. Mesmo um sentimento, uma fantasia, uma emoção precisam deixar pegadas para que possam ser capturados em suas marcas pelo historiador.
Tanto as sociedades arcaicas quanto as modernas, contemporâneas, tecnologizadas possuem seus sistemas imaginários de representação, a construírem verdades, certezas, mitos, crenças.
Por um longo tempo, o imaginário esteve relegado ao mundo da fantasia, da ilusão, do não-real, da não-verdade, do não-sério. Contribuíram para isso, como é possível entender, o advento do racionalismo cartesiano do século XVII, seguido pelo cientificismo do século das Luzes para prolongar-se pelo século XIX, animado pelo cientificismo, pelo evolucionismo e pelo progresso.
O real é sempre o referente da construção imaginária do mundo, mas não é o seu reflexo ou cópia. O imaginário é composto de um fio terra, que remete às coisas, prosaicas ou não, do cotidiano da vida dos homens, mas não comporta também utopias e elaborações mentais que figuram ou pensam sobre coisas que, concretamente, não existem. Há um lado do imaginário que se reporta à vida, mas outro que se remete ao sonho, e ambos os lados são construtores do que chamamos de real.
Nessa medida, na construção imaginária do mundo, o imaginário é capaz de substituir-se ao real concreto, como um seu outro lado, talvez ainda mais real, pois é por ele e nele que as pessoas conduzem a sua existência.
A história teve mais de uma compreensão ao longo do tempo: já foi identificada com a experiência vivida, ou seja, com o que aconteceu no passado, com os fatos e os acontecimentos de uma temporalidade já transcorrida. Foi, posteriormente, a ciência que, com leis e métodos, estudava o passado, resgatando a verdade do acontecido em um relato fiel. Contemporaneamente, ela é entendida como a narrativa do que aconteceu um dia, entendimento este que marca uma diferença significativa com as concepções anteriores.
A figura do narrados – no caso, o historiador, que narra o acontecido – é a de alguém que mediatiza, que realiza uma seleção dos dados disponíveis, que tece relações entre eles, que os dispõe em uma seqüência dada e dá inteligibilidade ao texto. O narrador é aquele que se vale da retórica, que escolhe as palavras e constrói os argumentos, que escolhe a linguagem e o tratamento dado ao texto, que fornece uma explicação e busca convencer.
O que o historiador pretende é reconstruir o passado, para satisfazer o pacto de verdade que estabeleceu com o leitor, mas o que constrói pela narrativa é um terceiro tempo, situado nem no passado do acontecido nem no presente da escritura. Esse tempo histórico é uma invenção/ficção do historiador, que, por meio de uma intriga, refigura imaginariamente o passado. Mas sua narrativa almeja ocupar o lugar deste passado, substituindo-o. É, pois, representação que organiza os traços deixados pelo passado e se propõe como sendo a verdade do acontecido.
O narrador-historiador é ainda aquele que se vale de provas – os indícios, cuidadosamente pesquisados, selecionados e dispostos em uma rede de analogias e combinações de modo a revelar significados. O historiador-narrador cita, atestando que conhece e participa do diálogo científico e acadêmico de sua época.
No campo da História Cultural, o historiador sabe que sua narrativa pode relatar o que ocorreu um dia, mas que esse mesmo fato pode ser objeto de múltiplas versões. A rigor, ele deve ter em mente que a verdade deve comparecer no seu trabalho de escrita da História como um horizonte a alcançar, mesmo sabendo que ele não será jamais constituído por uma verdade única ou absoluta.
Como diria Jacques Ranciére, é sempre possível atribuir acontecimentos verídicos, ficções, ou substituir acontecimentos fictícios por sujeitos reais. Tal postura introduz a concepção de um outro conceito, que se insere neste novo patamar epistemológico que preside o surgimento da História Cultural: o da ficção.
A questão de admitir a ficção na escrita da História implica aproxima-la da literatura e, para alguns autores, retira-lhe o conteúdo de ciência.
Nada é simplesmente colhido do passado pelo historiador, como uma História dada. Tudo que se conhece como História é uma construção da experiência do passado, que tem se realizado em todas as épocas. A História inventa o mundo, dentro de um horizonte de aproximação com a realidade, e a distância temporal entre a escritura da história e o objeto da narrativa potencializa essa ficção. Nesta medida, a História constrói um discurso imaginário e aproximativo sobre aquilo que teria ocorrido um dia, o que implica dizer que faz uso da ficção. Nesta medida, História e Literatura são formas de dar a conhecer o mundo, mas só a História tem a pretensão de chegar ao real acontecido.
Um outro conceito ainda se impõe, dizendo respeito a algo que se encontra no cerne daquilo que o historiador do passado pretende atingir: as sensibilidades.
As sensibilidades corresponderiam a este núcleo primário de percepção e tradução da experiência humana no mundo. O conhecimento sensível opera como uma forma de apreensão do mundo que brota não do racional ou das elucubrações mentais elaboradas, mas dos sentidos, que vem do íntimo de cada indivíduo. Ás sensibilidades compete essa espécie de assalto ao mundo cognitivo, pois lidam com as sensações, com o emocional, com a subjetividade.
Passou-se assim a uma história social renovada: do estudo dos pobres, dos subalternos enquanto classe ou grupo, detentores de uma expressão cultural dita popular, passou-se a uma história de vida das pessoas humildes. É a partir da experiência histórica pessoal que se resgatam emoções, sentimentos, idéias, temores ou desejos, o que não implica abandonar a perspectiva de que essa tradução sensível da realidade seja historicizada e socializada para os homens de uma determinada época.
As sensibilidades seriam as formas pelas quais indivíduos e grupos se dão a perceber, comparecendo como um reduto de tradução da realidade por meio das emoções e dos sentidos. Mesmo que tais representações sensíveis se refiram a algo que não tenha existência real ou comprovada, o que se coloca na pauta da análise é a realidade do sentimento, a experiência sensível de viver e enfrentar aquela representação. Pensar nas sensibilidades não é somente mergulhar no estudo do indivíduo e da subjetividade, das trajetórias de vida, enfim. É também lidar com a vida privada e com todas as suas nuances e formas de exteriorizar – ou esconder – os sentimentos.
Representação e imaginário, o retorno da narrativa, a entrada em cena da ficção e a idéia das sensibilidades levam os historiadores a repensar não só as possibilidades de acesso ao passado, na reconfiguração de uma temporalidade, como colocam em evidência a escrita da história e a leitura dos textos.
O controle do historiador sobre o leitor se dará pela exemplaridade de sua fala, pela retórica de seu texto, armando bem a intriga e explicitando seus argumentos de forma a produzir coerência na interpretação, pelas evidências da pesquisa e das fontes utilizadas, pelo seu prestígio no mundo da História, pelo atributo de ser, como historiador, a fala autorizada sobre o passado. Mas, mesmo assim, um texto esta sujeito à construção de múltiplos sentidos, por meio da leitura. Tal como a realidade, passível de ser traduzida em múltiplas versões pelos discursos da História, o texto do historiador também se vê afetado pela mesma indeterminação, no plano da recepção.


Capítulo IV
Em busca de um método: as estratégias do fazer História

Falar de método é falar de um como, de uma estratégia de abordagem, de um saber-fazer.
É a questão formulada ou o problema que ilumina o olhar do historiador, que transforma os vestígios do passado em fonte ou documento, mas é preciso faze-los falar.
Mas afinal, qual seria o método concebido pela História Cultura?
Carlo Ginzburg nos fala de um paradigma indiciário. Nele, o historiador é equiparado a um detetive, pois é responsável pela decifração de um enigma, pela elucidação de um enredo e pela revelação de um segredo. Enfrentando o desafio do passado com atitude dedutiva e movido pela suspeita, prestando atenção nas evidências, mas não entendendo o real como transparente.        
Ir além daquilo que é dito, ver além daquilo que é mostrado é a regra de ação desse historiador detetive, que deve exercitar o seu olhar para os traços secundários, para os detalhes, para os elementos que, sob um olhar menos arguto e perspicaz, passariam desapercebidos.
Sem dúvida, o historiador se apóia em textos e imagens que ele constrói como fontes, como traços portadores de significado para resolver os problemas que se coloca para resolver. Mas é preciso ir de um texto a outro texto, sair da fonte para mergulhar no referencial de contingência no qual se insere o objeto do historiador. Do texto ao extratexto, esse procedimento potencializa a interpretação e assinala uma condição especialíssima, que é o verdadeiro capital do historiador: a sua erudição.
Essa bagagem prévia que lhe permite realizar, por exemplo, uma leitura intertextual, ou seja, ver em um texto dado, a leitura, apropriação e ressignificação feita a partir de um outro. Ler, em um texto, outro; remeter uma imagem a outra, associar diferentes significantes para remeter a um terceiro oculto, portador de um novo significado.
Fornecendo ao historiador os exemplos de um método altamente significativo para realizar uma pesquisa intensa, descrevendo a realidade observada nos seus mínimos detalhes e correlação de significados possível, a descrição densa da Antropologia ensinou como explorar as fontes nas suas possibilidades mais profundas, fazendo-as falar e revelar significados. Não se trata apenas de descrever o objeto minuciosamente, mas sim de aprofundar a análise do mesmo, explorando todas as possibilidades interpretativas que ele oferece.
O método fornece ao historiador meios de controle e verificação, possibilitando uma maneira de mostrar, com segurança e seriedade, o caminho percorrido, desde a pergunta formulada à pesquisa de arquivo, assim como a estratégia pela qual fez a fonte falar, produzindo sentidos e revelações, que ele transformou em texto.
O extratexto é aqui considerado como sendo toda aquela bagagem de conhecimento que o historiador possui referente a um contexto mais amplo, e pode intervir na estratégia de cruzamento com os dados em análise.


Capítulo V
Correntes, campos temáticos e fontes: uma aventura da História

Quais seriam as novas correntes trilhadas pela História Cultural, a partir daquele patamar epistemológico e metodológico anteriormente enunciado?
A primeira delas seria a do texto, pensando a escrita e a literatura. Seus pressupostos de análise decorrem daqueles conceitos já apresentados, ou seja, o da compreensão da História como uma narrativa que constrói uma representação sobre o passado, e que se desdobra nos estudos da produção e da recepção dos textos.
Em se tratando da escrita/produção, o historiador lança as perguntas sobre quem fala e de onde fala, ao enfocar o texto propriamente dito, o que se fala e como se fala na análise da recepção, a questão jogada pelo historiador será discutir para quem se fala.
Um modo referencial privilegiado para o entendimento da História Cultural pode ser o da metáfora, ou seja, o discurso explica, fala de algo que se percebe e se entende como real, como um outro deste real. Ele fala por uma modalidade referencial de indicar uma significação para além deste real, envolvendo uma hermenêutica. A postura metafórica, ou da hermenêutica do texto, é a que melhor concentra a idéia de que uma escrita comporta mensagens e significados, mas que podem ser lidos de várias maneiras.
Uma outra corrente historiográfica é a da micro-história, vertente associada a Carlo Ginzburg. A micro-história realiza uma redução da escala de análise, seguida da exploração intensiva de um objeto de talhe limitado. Esse processo é acompanhado de uma valorização do empírico, exaustivamente trabalhado ao longo de extensa pesquisa de arquivo. A micro-história põe em prática uma metodologia de abordagem do social. Justo na aparente imobilidade do fato, os historiadores buscavam surpreender a dinâmica da História, unindo o dado arquivístico à multiplicidade das relações sociais.
Os elementos do micro não só permite pensar o todo como, inclusive, possibilita elevar a escala de interpretação a um plano mais amplo e distante, para além do espaço e do tempo, pensando na circularidade cultural ou na difusão dos traços e significados produzidos pelos homens em todas as épocas.Porém há riscos como a extrapolação interpretativa ou focar uma exceção ou regra vigente.
Uma terceira corrente muito atual é a Nova História Política, fala-se em uma História Cultural do Político, mobilizada pelos estudos que se centram em torno do imaginário do poder, sobre a performance de atores, sobre a eficácia simbólica de ritos e imagens produzidas segundo fins e usos do político, sobre os fenômenos que presidem a repartição da autoridade e do poder entre grupos e indivíduos, sobre mitos e crenças que levam os homens a acreditar em alguém ou algo, pautando a ação e a percepção da realidade sobre os mecanismos pelas quais se constroem identidades dotadas do poder simbólico de coesão social.
Não seria demais falar em uma verdadeira renovação do político, trazida pela História Cultural.
Abandonando formas ainda herdadas de uma tradição positivista, linear, seqüencial e causal de análise do político, ou ainda de um viés marxista, a ver a política como manifestação superestrutural de uma infraestrutura socioeconômica, ou ainda mesmo a uma vertente da ciência política, a estudar os comportamentos políticos dos grupos, os partidos e as eleições, o renascimento da história política, a aproximação com a  história cultural rendeu bons frutos.
Se a História Cultural visa a atingir as representações, individuais e coletivas, que os homens constroem sobre o mundo, a História Cultural do Político difundiu-se, tendo como uma de suas preocupações centrais a definição de uma cultura política. Esta corresponderia a um conjunto das representações que nutrem um grupo no plano político, uma visão partilhada, uma leitura comum do passado, uma projeção no futuro a ser vivido em conjunto.
As correntes da História Cultural aqui apresentadas não esgotam esses domínios, e pretendem referir-se a tendências amplas, constatadas a partir da publicação de livros. Tais correntes se traduzem em campos temáticos de pesquisa, em torno dos quais se agregam os trabalhos de investigação.
Um deles seria o das cidades. Muito já se escreveu, tanto sob uma abordagem marxista, sobre o fenômeno urbano. Chamamos de perspectiva quantitativa e evolutiva aquele tipo de abordagem sem qualquer outro compromisso teórico maior, empenhada na descrição da história de uma cidade, retraçando a sua evolução.
O que cabe destacar é a abordagem introduzida pela História Cultural: ela não é mais considerada só como um lócus, seja da realização da produção ou da ação social, mas sobretudo como um problema e um objeto de reflexão. Não se estudam apenas processos econômicos e sociais que ocorrem na cidade, mas as representações que se constroem na e sobre a cidade. Pode-se dizer que a História Cultural passa a trabalhar com o imaginário urbano, o que implica resgatar discursos e imagens de representação da cidade que incidem sobre espaços, atores e práticas sociais.
Para a História Cultural, a relação entre História e a Literatura se resolve no plano epistemológico, mediante aproximações e distanciamentos, entendendo-as como diferentes formas de dizer o mundo, que guardam distintas aproximações com o real. Ambas são formas de explicar o presente, inventar o passado, imaginar o futuro. Valem-se se estratégias retóricas, estetizando em narrativa os fatos dos quais se propõem falar.
É a História que formula as perguntas e coloca as questões, enquanto que a literatura opera como fonte. A Literatura ocupa, no caso, a função de traço, que se transforma em documento e que passa a responder às questões formuladas pelo historiador.
Se a História Cultural esta em busca do resgate das representações passadas, se almeja atingir aquele reduto de sensibilidades e de investimento primário na significação do mundo, a Literatura é uma fonte realmente especial: ela pode dar ao historiador aquele algo a mais que outras fontes não fornecerão.
A Literatura permite o acesso à sintonia fina ou ao clima de uma época, ao modo pelo qual as pessoas pensavam o mundo, a si próprias, quais os valores que guiavam seus passos, quais os preconceitos, medos e sonhos. Ela dá a ver sensibilidades, perfis, valores. Ela representa o real, ela é fonte privilegiada para a leitura do imaginário.
A Literatura é testemunho de si própria, portanto o que conta para o historiador não é o tempo da narrativa, mas sim o da escrita. Ela é tomada a partir do autor e sua época, o que dá pistas sobre a escolha do tema e de seu enredo, tal como sobre o horizonte de expectativas de uma época.
Um outro campo de pesquisa da História Cultural diz respeito às imagens. Diante de um predomínio ou de uma tradição no uso de fontes escritas, mesmo sendo tão antigas quanto a presença do homem na terra, as imagens são ainda consideradas um campo relativamente novo no âmbito da História. As imagens podem ser reconhecíveis ou estranhas, na medida em que se propõem reproduzir o real, de forma realista, a representa-lo de maneira cifrada ou simbólica, decompô-lo e transforma-lo, deformando-o.
A redescoberta da imagem pela História deu-se pela associação com a idéia da representação, tal como se deu com relação ao texto literário. As imagens estabelecem uma mediação entre o mundo do espectador e do produtor, tendo como referente a realidade tal como, no caso do discurso, o texto é mediador entre o mundo da leitura e o da escrita. Afinal, palavras e imagens são formas de representação do mundo que constituem o imaginário. Mas, sendo representações do mundo, qual seria o diferencial da imagem com relação ao texto?
As imagens partilham das condições de produção e recepção dos textos ou apresentam uma especificidade?
Sobre essa questão Duby refletia que, na escrita, é mais fácil dizer e não dizer. Na revelação ou no ocultamento de sentidos, o discurso favorece lacunas, tal como a retórica que expõe a argumentação desejada é quase infinda nas suas estratégicas de convencimento.
Já com a imagem, se poderia dizer que o grau de percepção do conjunto, dada a exposição visual do todo, se dá de maneira mais rápida, quase imediata, ao passo que o texto pressupõe o tempo de leitura com todas as suas operações lógicas de compreensão.
Não se pode esquecer que a imagem, para ser lida, possui códigos especiais, espécie de ícones ou signos que remetem a uma lógica de significados para uma época dada. Assim, a semiótica se propõe enfrentar essa leitura cifrada da imagem, que por sua vez  remete o leitor a um conhecimento paralelo daquilo que está contido na imagem.
A imagem possui uma função epistêmica, de dar a conhecer algo, uma função simbólica, de dar acesso a um significado, e uma estética, de produzir sensações e emoções no espectador.
A imagem enquanto registro de algo no tempo é testemunho de época, mas testemunho também de si própria, tal como o texto literário, ou seja, é o momento de sua feitura, e não a temporalidade do seu conteúdo ou tema que cabe atingir.
As identidades são, pelo seu lado, um outro campo de pesquisa para a História Cultural. Enquanto representação social, a identidade é uma construção simbólica de sentido, que organiza um sistema compreensivo a partir da idéia de pertencimento. A identidade é uma construção imaginária que produz a coesão social, permitindo a identificação da parte com o todo, do indivíduo frente a uma coletividade, e estabelece a diferença. A identidade é relacional, pois ela se constitui a partir da identificação de uma alteridade. Frente ao eu ou ao nós do pertencimento se coloca a estrangeiridade do outro.
O que é importante considerar não é a constatação da diferença, fenômeno que, por si só, é um dado posto pela diversidade racial, étnica ou de organização social entre os homens, mas sim a maneira pela qual se constrói pelo imaginário essa diferença.
Para a elaboração identitária, que cria o sentimento partilhado de pertencer a um grupo dado, as identificações se dão a partir do defrontamento com o outro, identificações de reconhecimento estas que podem ou não guardar relações de proximidade com o real. As representações de identidade são sempre qualificadas em torno de atributos, características e valores socializados em torno daqueles que integram o parâmetro identitário e que se colocam como diferencial em relação à alteridade.
As identidades são múltiplas e vão desde o eu, pessoal, construtor da personalidade, aos múltiplos recortes do social, fazendo com que um mesmo individuo superponha e acumule, em si, diferentes perfis identitários. Estes não são, a rigor, excludentes por si mesmos, nem forçosamente atingem uma composição harmônica e sem conflitos nessa espécie de rede poli-identitária que cerca o indivíduo.
As identidades podem dar conta dos múltiplos recortes do social, sendo étnicas, raciais, religiosas, etárias, de gênero, de posição social, de classe ou de renda, ou ainda então profissionais.
A identidade deve apresentar um capital simbólico de valoração positiva, deve atrair a adesão, ir ao encontro das necessidades mais intrínsecas do ser humano de adaptar-se e ser reconhecido socialmente. Mais do que isso, a identidade responde, também, a uma necessidade de acreditar em algo positivo e a que o individuo possa se considerar como pertencente.
A alteridade, por sua vez, se revela por diferentes formas: os outros são, também, muitos, e podemos conviver com eles em termos de admiração ou emulação, de sedução e desejo, de estranhamento e distância ou, no seu caso-limite, em termos de negação. Nesse caso, estaríamos diante da modalidade perversa da alteridade. A exclusão é, no caso, condição atribuída, que nasce do gesto, da palavra e do olhar de quem designa o outro. Ela se faz acompanhar da rejeição, do estigma e do preconceito, negando um lugar social de reconhecimento a este outro.
A questão dos excluídos é um dado posto pelo mundo atual, pressionando não só o debate sobre o tema como reflexões acerca da presença de tais categorias no imaginário social que os homens construíram para si ao longo da História. Nessa medida, esse dado contemporâneo repõe, para o historiador, o interesse pelo estudo de tais questões, sobretudo sobre a eficácia simbólica das representações nos movimentos sociais de hoje.
Outro campo de pesquisa da História Cultural é a História do tempo presente, tal campo implica tomar esta História na qual os acontecimentos estão ainda a se desenvolver. Trata-se de uma história ainda não acabada, em que o historiador não cumpre o seu papel de reconstruir um processo já acabado, de que se conhecem os fins e as conseqüências.
Sem dúvida, tal História em curso, da qual o historiador é espectador e/ou participante, comporta riscos, como, por exemplo, o do envolvimento direto, com todo o curso de paixões e posicionamentos, que acarreta, a prejudicar a distância que ele deve guardar com relação a seu objeto.
Mais um campo de pesquisa que se apresenta à História Cultural é aquele que diz respeito à Memória e Historiografia. Este é, a rigor, um campo derivado, de forma especial, da corrente que discute a escrita da História, realizando aproximações com a memória.
Enquanto representação, a Memória permite que se possa lembrar sem a presença da coisa ou da pessoa evocada, simplesmente com a presença de uma imagem no espírito e com o registro de uma ausência dada pela passagem do tempo. Há uma modalidade da memória chamada por Aristóteles de mneme, que diz respeito à presença involuntária de tais imagens do passado no espírito, que surgem por evocação espontânea ou que podem ser despertadas por um ato ou objeto que reproduz uma experiência e uma sensação.
Hás também uma outra Memória, a anamnese, que vem ser o trabalho da busca, de intenção deliberada na recuperação das lembranças. Se trata da memória voluntária, na qual existe um empenho de recuperar, pelo espírito, alguma coisa que tenha ocorrido no passado. O reconhecimento se opera por um ato de confiança, que confere veracidade à rememoração.
Cabe dizer que a contrapartida da Memória é o esquecimento. Não é possível tudo lembrar, pois a memória é seletiva, tal como a matéria do esquecimento também é objeto de processos que ultrapassam a escala do inconsciente. Por outro lado, se formos ter em conta esta mescla que se processa entre memória individual e memória coletiva, há que pensar que as pessoas são ensinadas a lembrar e a esquecer, fazendo com que determinados acontecimentos não sejam considerados importantes ou mesmo que não tenham acontecido.
Dessa forma o campo de pesquisa se abre para o estudo de como, ao longo dos tempos, os historiadores construíram suas narrativas de reconstrução das temporalidades passadas, à luz destas questões que se encontram no âmago da História Cultural: escrita e leitura, ou ficcionalização narrativa do passado e horizonte de expectativas do planos de recepção; formas de aproximação com o referente ou maneiras de testagem e verificação do texto com o real.
Explicitadas algumas das principais correntes e campos de pesquisa da História Cultural, cabe dizer que o espectro das fontes se revela quase infinito. Uma idéia na cabeça, uma pergunta suspensa nos lábios, o mundo dos arquivos diante dos olhos e das mãos. Nessa medida, tudo pode vir a tornar-se fonte ou documento para a História, dependendo da pergunta que seja formulada.

O que é história cultural

Resumo do livro: O que é História Cultura (fechamento crítico) Peter Burke

INTRODUÇÃO.

            Este trabalho visa esclarecer a idéia sobre o nascimento da História cultural, apresentando também seu desenvolvimento através do templo, assim como seu estágio atual. A partir de alguns questionamentos, o autor aborda o papel do historiador cultural através das diversas ciências humanas que ao lado da história, estuda o desenvolvimento humano.
            O autor faz duas abordagens diferentes, mais que se complementam: “abordagens interna e externa”. (P. Burke 2004, p 8). Na abordagem interna, a História estuda o passado através das artes, procurando uma ampliação do conhecimento de uma cultura, evitando a fragmentação proposta por outro tipo de História. Na abordagem externa ele fala de uma transformação “virada cultural” nas ciências humanas, que passou a focar seus estudos em grupos particulares, em tempo e espaço específicos.
            Diante da dificuldade de dar uma definição para a História cultural, o autor procura mostrar como os vários autores desenvolvem seus estudos de maneiras diversas: “intuição”, “procura de significados”, “as práticas e as representações”, “história como narrativa”, são alguns exemplos dessa diversidade. No entanto, “a preocupação com o simbólico e suas representações”.(P Burke, 2004, p 10) é o ponto comum entre todos os historiadores culturais.
            O livro trata das constantes transformações que a história vive em função das circunstancias, a ela impostas, e das várias tradições (alemã, inglesa, francesa, norte-americana, etc.) que às vezes se assemelham, às vezes se divergem. Seguindo uma ordem cronológica o livro expõe as diferentes formas de escrever a historia cultural através dos tempos.

CAPITULO 01: A GRANDE TRADIÇÃO


            Nesse capítulo mostraremos um esboço da Historia cultural, veremos que ela era praticada na Alemanha no séc. XIX, e pode ser dividida em quatro fases que se entrelaçam entre si: “a fase clássica”, “a fase da história social da arte” (até 1930), “a fase da descoberta da história da cultura popular 1960”, e a “fase da nova história cultural”, (Peter Burke, 2004, p15-16). No entanto, essa não é uma divisão clara, e só se torna perceptível quando é estudada através de acontecimentos que evidenciam suas semelhanças e suas continuidades.

HISTÓRIA CULTURAL CLASSICA

Retratos de uma época.

            Podemos chamar de História cultural clássica o período de 1800 a 1950, que foi marcado pelos lançamentos de dois clássicos da História. São eles: “A Cultura do Renascimento na Itália do historiador suíço Jacob Burkhart 1860, e Outono da Idade Média do historiador holandês Johan Huizinga”, (Peter Burke, 2004, p16). Esses historiadores preocupavam-se em estudar as relações existentes entre as diferentes artes, articulando suas conexões, tentando a aproximação entre os elementos estudados e assim pintavam o que podemos chamar de “retratos de uma época”. (Peter Burke, 2004, p16)
            Burkhardt estudava de forma intuitiva, enfatizando os elementos “recorrentes, constantes e típicos”, (Peter Burke, 2004, p18), que ele considerava essencial para estabelecer uma conexão de aproximação entre os diferentes objetos de seus estudos. A arte e a literatura, já música e a política eram estudadas como fontes para o desenvolvimento de seus trabalhos.
            Huizinga procurava mostrar as características de um lugar no templo e no espaço através dos padrões de cultura que poderiam ser estudados por meio dos “temas”, “símbolos”, “sentimentos” e “formas”. (Peter Burke, 2004, p19).
            Esses elementos eram considerados fundamentais para desenvolvimento de suas obras. Ele também dava muita importância às idéias de indivíduo, esses sempre estavam presentes em suas obras.

DA SOCIOLOGIA Á HISTÓRIA DA ARTE.
            Nesse item o autor procura explicar a contribuição de outras ciências e de outros autores para a historia cultural. Citando trabalhos, tais como: A Ética Protestante e Espírito do Capitalismo do sociólogo alemão Max Weber, que procura estabelecer uma conexão cultural entre a ética religiosa pregada pelo protestantismo e a ascensão da sociedade capitalista; O Processo Civilizador de outro sociólogo alemão, Norbert Elias considerado em sua essência, como sendo uma história cultura: Mal-estar na civilização de Frued, que relaciona cultura com sacrifícios sexuais e agressivos. Aby Warburg, um leigo interessado na filosofia, psicologia e antropologia (Peter Burke, 2004, p21) procuravam desenvolver estudo de aproximação entre essas disciplinas, evitando estabelecer limites bruscos de diferenciação que ele chamou de “polícia de fronteira” (Peter Burke, 2004, p21) estudando a “tradição clássica e suas transformações através dos tempos”, (P B 2004, p21) ele desenvolveu os esquemas es as fórmulas culturais, idéia que por sua vez, passou a influenciar historiadores e outros estudiosos como: Karl Popper e Hans Gerg Gadamer, no entanto, essa influencia se tornam mais visível na obra de Ernst Gombrich, Arte e Ilusão, onde descreve a importância de se fazer correções constantes, para a aproximação da realidade. Outro estudo importande influenciado por Warburg, foi à conferência sobre “Arquitetura gótica e Escolástica” de Erwin Panosfsky, onde ele defende a importância da iconologia para a interpretação de imagens. Panosfsky dizia que os movimentos surgidos na mesma época e no mesmo espaço tinham conexões entre si e usava como exemplo a arquitetura e a filosofia.

            A GRANDE DIÁSPORA

            O movimento de emigração provocado pela ascensão do nazismo, a partir de 1930, levou alguns estudados da Alemanha para outros países, especialmente Estados Unidos e Inglaterra. Nos Estados unidos predominava a idéia de civilização inclusive com curso obrigatório sobre “civilização ocidental”, em colégios e universidades. No campo de pesquisas a ênfase era voltada para a “história das idéias” e não para a história cultural. Na Inglaterra começa a escrever sobre história cultural, porem, não era uma regra e sim uma exceção.
            A grande diáspora teve papel fundamental no desenvolvimento cultural, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos. Esse desenvolvimento proporcionou o encontro de estudiosos tanto do círculo Warburguiano que se interessava pelas evidências históricas, como de marxista que preocupava com a “relação entre cultura e sociedade” (Burke, 2004,p 26 “)”.
           
CULTURA E SOCIEDADE

            A cultura e sociedade já eram discutidas antes da grande diáspora. Nos Estados Unidos, o casal, Charles Beard e Mary Ritter Beard eram os principais representantes: ela defendia um estudo sobre as mulheres e ele em sua obra “The Rise of American Civilization (Burke, 2004, p 27) procurava apresentar um argumento econômico e social para as transformações sociais. Na Inglaterra essa discussão teve ênfase com a chegada de um grupo de estudiosos da Europa Central, os principais entre eles eram húngaros: Karl Mannhein e Arnold Houser, sociólogos e Frederick Antal, historiador. Esses estudiosos, na sua maioria de influência marxistas procuravam estabelecer relação entre a mentalidade conservadora, as artes e a cultura social”.

            A DESCOBERTA DO POVO

            Inicialmente, a cultura popular foi deixada de lado pela história cultural, não se sabe se por preconceito ou por omissão dos estudiosos de classe média. O fato é que ela só passou a ser estudada após 1960.
 O historiador Eric Hobsbawm, sobre o pseudônimo de “Francis Newton (Burke, 2004, p.29) foi um dos primeiros a estudar esse tema em sua obra” A Historia Social do Jazz “, onde discutia o surgimento e o público da música como protesto social e político. Porem, Edward Trompson com o livro A formação da classe Operária Inglesa (1963) viria se tornar o principal personagem nesse estudo, ele foi além em seu estudo no papel desempenhado pelas mudanças econômicas e políticas na composição das classes, examinando os modos e ações que forma a base da cultura popular. Trompson também influenciou outros historiadores, como Raphael Samuel fundador da revista History Workshop”.

            CAP. 02: PROBLEMAS DA HISTORIA CULTURAL

            Não podemos negar a importância de Burkhardt, e Huizinga para a História Cultural. Mas se torna necessário questionar alguns problemas em suas obras: as “fontes, os métodos e as suposições”. (Burke, 2004, p 32).

            OS CLASSICOS REVISITADOS

            Uma dos questionamentos que deve ser feitos é sobre as quantidades de fontes. O historiador cultural não deve olhar seus objetos de estudos como sendo os únicos, a serem estudados, muitos menos, tratá-los como verdades absolutas. Em Outono da Idade Média, Huizinga é acusado de usar poucas fontes. E, em Seu livro sobre a Grécia, Burkhardt, defende a “confiabilidade relativa”. (Burke, 2004, p 33). Segundo o qual as fontes podem ser mentirosas. Em contradição ele cita o grau de certeza produzido pelas fontes, já que essas são geradas de modo não intencional e voluntário. O fato é que o historiados precisa fazer sempre a crítica da fonte, indagar o porque da criação desta, quando foi elaborado e qual seu propósito.
            Diante das críticas feitas a Burkhardt, e Huizinga, de serem “impressionistas e anedóticos” (Burke, 2004, p 34) cabe fazer a seguinte pergunta: “a historia cultural esta condenada a ser impressionista? (Burke, 2004 p 34) Para responder essa questão o historiador precisa fazer a análise em série do conteúdo, abordando os motivos que levaram os autores das fontes a revelarem uma mudança de comportamento. Outro problema a ser estudado são as suposições, levantado por Ernst Gombrich, (Burke, 2004, p 36)m onde critica as abordagens de Huizinga, Burckhardt e aos marxistas por construírem sua história cultural sobre os” alicerces hegelianos ““.

            DEBATES MARXISTAS

            Os historiadores marxistas fazem suas críticas, à abordagem clássica da cultura, por não discutir a base econômica e social, generalizando a cultura, e ignorando a diversidade, sem dar mérito às temporalidades de cada grupo.

            PROBLEMAS DA HISTORIA MARXISTA

            Surgem aí duas correntes de historiadores marxistas os que defendem o “culturalismo” que dá ênfase nas experiências e nas idéias; e aqueles defensores do “economicismo” que preferem as realidades econômicas sócias e políticas. Essa divisão levou a uma crítica mais profunda do marxismo: a questão da fundação econômica e social ou “base” e uma superestrutura “cultural. (Burke, 2004, p 37) Passou a ser contestada, pois era considerada muito rígida. Alguns autores como Antonio Gramsci e Trompson passaram a defender a idéia de” hegemonia cultural “. Essas discussões levaram o autor a uma questão fundamental “; é possível estudar as culturas como um todo, sem fazer falsas suposições sobre a homogeneidade Cultural?” (Burke, 2004, p. 38) como respostas o autor sugere estudar as tradições culturais e dar um novo tratamento às culturas erudita e popular, elas passariam a ser chamada de “subculturas”.

            OS PARADOXOS DA TRADIÇAO

            Neste item o autor chama a atenção para a idéia de como a tradição é tratada. E, vê nessa forma tradicional de tratar a tradição, dois problemas. O primeiro “é uma aparente inovação que pode mascarar a persistência da tradição. (Burke, 2004, p. 39), ou seja, a tradição prevalecer sobre a inovação. O segundo é o inverso, a inovação prevalecer sobre a tradição. É quando os seguidores defendem apenas as idéias que lhes interessam, distorcendo a idéia principal. Há ainda, o que ele chama de” conflito interior das tradições “(Burke, 2004, p.40) que é a discordância entre as idéias universais e as particularidades do momento”.

            CULTURA POPULAR EM QUESTÃO

            Existe uma grande dificuldade em distinguir a cultura erudita da cultura popular. Essa dificuldade começa quando precisamos definir quem é o “povo”. São todas as pessoas? Ou a elite não pode ser chamada de povo? Diante dessas questões, muitos teóricos, preferem falar de "culturas populares" porque assim no plural elas se tornam mais abrangentes. Também podemos usar o termo “subculturas” para dar mais flexibilidade e autonomia.
            Para Roger Chartier, os estudos devem focar os grupos sociais, e não os objetos e as práticas, pois o mesmo grupo pode ser “biculturais” ou mesmo mudar de uma cultura para outra.

            O QUE É CULTURA

            Este item mostra a variedade de maneiras, como a cultura pode ser definida. Ela pode ser entendida como sendo de determinada classe, como também pode se referir às artes e as ciências ou aos costumes populares.
            A antropologia, por meio de Edward Taylor definiu cultura, como sendo “todo complexo que inclui conhecimento, crença arte, moral, lei, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. (Burke, 2004, p.43) A historia cultural adotou essa definição antropológica da cultura, por considerá-la mais ampla.

            CAP. 3: A VEZ DA ANTROPOLOGIA HISTÓRICA
           
            A essa tendência, em que muitos historiadores passaram a aceitar o termo “culturas” no plural porque dava um sentido mais amplo, o autor chamou de virada em direção a antropologia “(Burke, 2004, p.44)”.

            A EXPANSÃO DA CULTURA

            Essa “virada cultural” não aconteceu apenas com a historia. Outras disciplinas como a psicologia, a sociologia, a geografia, etc., também tomaram essa direção, isso levou Samuel P. Huntingtom a falar em “choque de culturas”. (Burke, 204, p.45). Essa tendência desencadeou no aparecimento de uma variedade enorme de culturas: da imprensa, do jogo, etc.
            A expressão “nova historia cultural” (Burke, 2004, p.46) apesar de nascida nos Estados Unidos espalhou rapidamente por vários países, exceto a Inglaterra, onde ainda predomina os chamados “estudos culturais”.

            EXPLICAÇÕES CULTURAIS

            Alguns historiadores têm deslocado seus interesses de medidas objetivas, para percepção de mudanças na sociedade. Um exemplo disso é F S Lions no seu livro “Culture and Anarchyk in Irlanda, onde ele divide seu país em quatro culturas diferentes: a da Inglaterra, a da Irlanda, a anglo-saxônica e a dos protestantes de Uster. (Burke, 2004, p.47) e relaciona os conflitos existentes com as diferentes culturas. Essa leitura da cultura do cotidiano das pessoas comuns, é que aproxima a historia da antropologia”.

            A HORA DA ANTROPOLOGIA HISTÓRICA

            Os historiadores passaram a estudar alguns antropólogos, entre eles Marcel Mauss, Edward Evans-Prichard, Mary Douglas e Clifford Geertz, esses faziam seus estudos, sobre o cotidiano, as festas tradicionais e religiosas e as feitiçarias, ou seja, o dia-a-dia das pessoas comuns. Esse trabalho antropológico chamou a atenção dos historiadores, para o eles chamaram de “estruturalismo” ou “o estudo das relações entre os elementos de um sistema cultural e social, focalizando as oposições binárias (Burke, 2004, p.50)”.
            Dentre os antropólogos, o que mais influenciou os historiadores foi Clifford Geertz com sua “teoria interpretativa da cultura” onde ele enfatiza a importância dos significados dos símbolos para a comunicação dos homens através do conhecimento. Ele vê nas brigas de galos em Bali, um objeto para a interpretação da cultura balinesa e chama isto de “drama filosófico”. Neste trabalho geertz teve a influencia do teórico da literatura kenneth Burke e sua “abordagem dramática” da cultura.
            Outro antropólogo de grande importância para a historia foi Victor Turner e aquilo que ele chamou de “drama social”, observando os conflitos na África, ele propôs uma divisão desses, em quatro fases: “ruptura das relações sociais normais, crise, tentativa de uma ação de reparação e finalmente, reintegração ou, alternadamente, reconhecimento do cisma” (Burke, 204p. 52-53).
            O exemplo dessa influencia de geertz aparece bem claro no livro de Robert Darnton, o Grande Massacre dos Gatos, nesse trabalho, ele relaciona o ritual feito por um grupo de aprendizes de uma tipografia, para se livrar dos gatos, com a visão de mundo que eles tinham da Europa pré-industrial. Mas o que mais aproximou a historia da antropologia e principalmente das obras de Geertz, foi o que ele chamou de “analogia do drama” que faz uma ponte de ligação entre a preocupação com a alta cultura e o novo interesse pelos fatos do cotidiano. Dessa forma percebemos que a virada antropológica se deu devido a alguns clássicos da antropologia, mas também pela reação consciente ou inconsciente dos historiadores, às mudanças do mundo.

            AO MICROSCÓPIO

            Aqui o autor faz uma analogia com micro-história (microscópio) que surge para se contrapor à história grandiosa (telescópio). A micro-história surgiu na Itália com os historiadores Carlo Ginzburg, Geovane Leve e Edward Grendi, com o seguinte propósito: reagir contra um modelo de história social que privilegiava, as tendências gerais sem levar em conta a variedade e a especificidade das culturas locais; fazer com que experiências concretas, individuais ou locais voltassem à história; proporcionar que a cultura dos pequenos grupos sociais, assim como, as realizações e contribuições das pessoas comuns participassem da história.
            As duas principais obras desse movimento foi Montaillou de Emanuel Lê Roy Ladurie (1975) que conta à história de uma pequena aldeia de Pirineus, seus hábitos e valores familiares; e, O Queijo e os Vermes (1976) de Carlo Ginzburg, conta à história de um fabricante de queijos. Os dois livros baseiam na Inquisição e retratam as tradições e as visões de mundo das pessoas simples pertencentes às classes subalternas. Isso explica a importância dessas obras para a nova história cultural.

            PÓS-COLONIALISMO E FEMINISMO

            A história narrada pela civilização ocidental não dava importância às lutas pela independência dos países do terceiro mundo, nem aos debates pelo fim da dominação econômica, apresentando assim os preconceitos que persistiram depois do fim da colonização. Neste contexto, Edward Said escreveu o livro, Orientalismo (1975). Nesta obra ele mostrava a oposição preconceituosa entre o Ocidente e o Oriente, e como alguns acadêmicos, que ele chamou de “orientalistas profissionais” contribuíam para isso.
            Neste mesmo sentido de lutas contra o preconceito e pela liberdade, é a obra “História das Mulheres no Ocidente” (1990-92) de Georges Duby e Michele Perrot, que trata da educação das mulheres, da visão masculina sobre a mulher, etc. Essa e outras obras citadas neste capítulo tratam do universo feminino, de suas lutas, e visões de mundo. Temas importantes para a “nova história cultural”.
           
CAP. 4                       UM NOVO PARADIGMA

            O surgimento da expressão “nova historia cultural” foi em 1987, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, em um seminário sobre a História Francesa: texto e cultura (Burke, 2004, p.68). Essa “nova” história se distinguia de outras formas de escrever história até então existente, enfatizando as mentalidades, suposições, e os sentimentos se tornando assim mais eclética e imaginativa. Uma outra preocupação da NHC é a teoria ou teoria cultural, que proporciona ao historiador a consciência de problemas já existentes e ao mesmo tempo o surgimento de novos problemas.
            Outra idéia importante para a NHC é a de “suplemento” defendida por Jacques Derrida (Burke, 2004, p.70) onde ele destaca a importância dos detalhes para a formação da idéias principal.

            QUATRO TEÓRICOS

            Este item visa expor ao leitor as idéias de quatro nomes de suma importância para a NHC: Mikhail Baktin, Norbert Elias, Michel Foucault e Pierre Bourdieu. Essas são para serem pensadas, testadas e investigadas de acordo com cada tema.

            AS VOZES DE MIKHAIL BAKTIN

            Teórico russo, Baktin foi o autor de conceitos importantíssimos para a NHC: “carnavalização”, “destronar”, “linguagem de mercado” e “realismo Grotesco”, (Burke, 2004, p.71).
            Outras importantes idéias de Baktin, não receberam a importância que mereciam: “polifonia”, “poliglossia”, ou “heteroglossia”, essas defendiam a importância dos gêneros de falas e as diversas formas que podem ser ouvidas no texto.

            A CIVILIZAÇÃO DE NORBERT ELIAS

            O sociólogo Norbert Elias foi o defensor de conceitos como “a fronteira da vergonha”, e “fronteira da repugnância”, que segundo ele excluía a sociedade educada de algumas formas de comportamentos; “pressão pelo autocontrole”, “competição”, “habitus” e “figuração”. Foi sempre interessado pela história. Sua obra, O Processo Civilizador (1939), apesar de ser muito criticado por parte dos historiadores culturais, é considerada muito importante para NHC, como instrumento de pesquisa, isso se deve a sua teoria social e cultural.

            O REGIME DE MICHEL FOUCAULT

            As três idéias de Foucault que mais contribuíram para NHC, foram: em primeiro lugar a de “genealogia” que destaca os efeitos dos “acidentes”, a descontinuidades culturais ou rupturas; em segundo lugar, considerava os sistemas de classificação “epistemes” ou “regime de verdades”, como “expressões de uma determinada cultura e ao mesmo tempo forças que lhe dão formas”. (Burke, 2004, p.75) Ele também defendia os discursos coletivos como objetos de estudos; em terceiro lugar enfatizava a “microfísica” do poder, e as “praticas discursivas” que segundo ele constituem primeiro o objeto e depois a análise da cultura ou sociedade como um todo. Enquanto o “olhar” era a expressão da “sociedade disciplinar moderna”. (Burke, 2004, p. 76).
            Em sua obra, Vigiar e Punir, (1975) ele mostra a estrutura das escolas, prisões, fábricas, hospitais e quartéis como sendo adequada para a produção de corpos dóceis. Essas instituições facilitam o controle e a vigilância.

            OS USOS DE PIERRE BOURDIEU

            Bourdieu foi primeiro fisósofo depois antropólogo e sociólogo, desenvolveu conceitos e teorias importantes para os historiadores culturais. São eles: conceito de “campus”, a teoria da prática, a idéia de reprodução cultural e a noção de “distinção”.
            O conceito de “campo” é o que estabelece uma autonomia de determinada cultura produzindo suas próprias convenções culturais. Não teve muita aceitação entre os historiadores. Já teoria de “reprodução cultural” questiona a autonomia e a imparcialidade do sistema educacional francês teve mais aceitação. Também foi bem aceita, a “teoria da prática” especialmente, o conceito de “habitus”, que segundo ele, se sustenta numa estrutura de esquema inculcadas na cultura das pessoas.
            As idéias e teorias defendidas por esses quatro teóricos levaram os historiadores a se preocupar com as representações e as práticas que são duas das características da NHC.

            PRÁTICAS

            O autor vê “as práticas” como um dos paradigmas da NHC, e mostram uma virada em direção as práticas em oposição à teoria. Em contradição a história das práticas passou a ser uma das áreas mais estudadas pela a teoria social. Nessa perspectiva autores como Norbert Elias, Bourdieu e Foucault, antes vinculados às práticas, agora a estão inserido no campo das idéias.
            Temas como a história da linguagem, a prática religiosa, a história da viagem, passaram a serem estudados e vistos como dimensão histórica e até ganharam publicações específicas.
            A história das práticas também vem avançando sobre áreas tradicionais da história da cultura como o estudo do renascimento, como o humanismo antes focado nas idéias e hoje voltado para as atividades como as formas de escrever, falar etc. Outro tema importante são as coleções que passaram a ser estudada pelos historiadores da arte e da ciência, tendo como foco principal à “cultura da coleção” que estudava o que era colecionada, qual era sua organização e suas categorias básicas, assim como os acessos às coleções.
            Na história das ciências o foco se deslocou da história intelectual para as práticas cotidianas da experimentação e dos métodos.
            A HISTÓRIA DA LEITURA

            O autor procura mostrar aqui como se desenvolveu ao longo do tempo uma mudança nas práticas de leitura, focando o papel do leitor, e como ele foi desenvolvendo novas técnicas de leitura.
            No ocidente o autor cita três mudanças ou deslocamentos ocorridos e que são bem perceptíveis: “da leitura em voz alta para a leitura silenciosa; da leitura em público para a leitura privada; e da leitura lenta ou intensiva para a leitura rápida ou extensiva”. (Burke, 2004, p.83) Essas mudanças ocorreram devido à multiplicação das produções literárias que levou o leitor a procurar novos métodos para tentar acompanhar essa velocidade das informações. Ele também cita mudanças importantes como a de iluminação e mobília na Alemanha do séc. XIX, e a adaptações da metodologia para estudar os sistemas de escritas dos japoneses e a ascensão do mercado de livros na Rússia nos anos 90.

            REPRESENTAÇÕES

            Reagindo às críticas feitas por Michel Foucault de que os historiadores escreviam “uma idéia empobrecida do real” “que não deixava lugar para o que é imaginado”. (Burke, 2004, p.84)n Algumas obras foram lançadas, por exemplo: As três ordens (1978) de Georges Duby, sobre a composição do Estado na sociedade medieval segundo o qual se dividia em “três estados”: os que rezam os que lutam e os que trabalham, que queria dizer, o clero, a nobreza e o “terceiro estado”. O Nascimento do Purgatório (1981) de Jacques Le Goff, explica como surgiu a idéia do purgatório no contexto da idade média. (Esses dois livros apresentam uma representação do imaginário da época).
            O autor ainda cita a obra de Keith Tomas, Man and the Natural World (1983) que mostra uma mudança de comportamento na Inglaterra entre 1500 e 1800, do homem em relação à natureza. E no campo literário, as representações projetadas no “outro”, como uma preocupação que aparece na obra “Orientalismo” de Said.

            ORIENTALISMO NA MUSICA

            Procura mostrar como alguns musicólogos reagiram ao orientalismo, de Said e o que foi feito para esclarecer esta questão. Numa discussão sobre a obra Aída, de Verdi, Said reafirma sua posição, dizendo que o oriente é tratado como “um lugar exótico, distante e antigo, onde os europeus pode ostentar seu poder”. (Burke, 2004, p.87).
            Em outro estudo Ralph Locke faz uma análise sobre Sansão e Dalila, de Saint-Saens e percebe o mundo da Bíblia, como uma representação do Oriente Médio do séc. XIX. E, que o “outro” feminino apresentado em Dalila, retira essa oposição binarista característica do orientalismo.
            Em estudo feito por Richard Taruskin sobre orientalismo na Rússia do séc. XIX, revela oposição binária entre o russo e o oriental em músicas exóticas, porém, essa oposição não foi percebida pelo público francês que as consideraram como sons tipicamente russos.

            A HISTÓRIA DA MEMÓRIA

            Aqui o autor nos fala da expansão da historia da memória, que às vezes se apresenta como história social, outras como memória cultural. Ele também lembra o fato que a amminésia social ou cultural não estar tendo o mesmo tratamento. Segundo ele, esse interesse pela memória provavelmente seria devido à rapidez das transformações culturais e sociais, que podem fazer nossa identidade cair no esquecimento.
            O autor faz uma alerta para o fato de a história da memória, usar de esquemas ou estereótipos que ajudam a perpetuar a memória, porém, pode provocar distorção. Outro problema seria a contaminação da memória por ideologias pré-existentes como, por exemplo, idéias religiosas, e políticas onde, a história contada pelos vencedores é diferente da história contada pelos vencidos.

            CULTURA MATERIAL

            Nota-se neste item uma mudança na atenção dos historiadores culturais a partir a partir da década de 1980, para o estudo da cultura material. Essa mudança se tornou claramente visível: o mobiliário das igrejas, as formas materiais dos livros, as pichações e até a própria disposição do espaço, passaram a ser estudado como portadores de significados. Como destaque nessa cultura material são os temas: alimentos, vestuário e alimentação, relação entre o que se consome hoje e o se consumia no passado passou a ser vista como importante campo de pesquisa, para estudar as relações sociais.
            Outro tema de fundamental importância, para o estudo da cultura material, é à disposição do espaço dentro das casas ou das cidades. Seguindo o exemplo de Habernas e Foucault, muitos historiadores passaram a dar importância ao espaço: sagrado e profano, público e privado, etc.

            A HISTÓRIA DO CORPO

            O estudo do corpo como objeto da história era praticamente desconhecida até 1970, porém o sociólogo Gilberto Freire, em 1930 estudou os corpos dos escravos, baseando nos anúncios de jornais da época, ele descobriu que as cicatrizes descritas determinavam a região de origem de onde o escravo era trazido.
            A partir de 1980, vários historiadores passaram a estudar os corpos e os gestos como símbolos de significados importantes para a história. Alguns exemplos destes significados são o ato de rezar com as mãos postas e ajoelhado, que pode ser interpretado como herança dos ritos feudais da homenagem.
           
            REVOLUÇÃO NA HISTÓRIA CULTURAL

            O autor revela aqui a enorme quantidade de temas que surgiu com a ascensão da nova história cultural. Ele cita a frase do suíço Sigfried Giedion, “para o historiador não existe coisas banais” já que “Instrumentos e objetos são decorrências de atitudes fundamentais perante o mundo’’’’ (Burke, 2004, p.97) para ilustrar essa variedade de objetos de estudo. Também se nota algumas semelhanças como obras de autores do passado, como Huizinga, Burkardt e até do sociólogo Emile Durkhein, o que significa que essa virada coletiva na prática da história cultural aproxima mais de uma mudança de ênfase do que de algo realmente novo”.

            CAP. 5: DA REPRESENTAÇÃO À CONSTRUÇÃO

            Neste capítulo veremos que a idéia de “representação” como significado da realidade social, traz problemas para a NHC. Por esse motivo alguns historiadores passaram a falar em “construção” ou “produção” da realidade social por meio das representações.

            A ASCENÇÃO DO CONSTRUTIVISMO

            Diante da questão colocada em torno da representação, como retrato da realidade apresentado pelos historiadores tradicionais, novos historiadores, a partir do final do séc. XX, sentiram a necessidade de construir a “história a partir de baixo”, (Burke, 2004, p.101) focando a visão dos derrotado ou classes subalternas. Esse deslocamento de foco passou a ser chamado de construtivismo, pois propiciava espaço para o poder da imaginação social da realidade.

            REUTILIZAÇÃO DE MICHEL CERTEAU

            Michel de Certeau passou a ter importância destacada para a NHC, a partir de sua obra sobre a vida cotidiana na França (1980), ele enfatizou as “Praticas” das pessoas comuns como objeto de estudo. Para ele a práticas dessas pessoas eram conscientes e determinavam suas escolhas com base na criatividade.

            A RECEPÇÃO DE LITERATURA E ARTE

            Refere-se aqui aos deslocamentos dos estudos da arte, literatura, e música que deixa de se preocupar somente com os autores e interpretes, para considerar a importância dos receptores, ou seja, dos consumidores dessas artes.

            A INVENSÃO DA INVENSÃO

            Aqui o autor faz uma crítica sobre o enorme número de publicações que traz o rótulo de “construção”, “invenção” ou “imaginação” que segundo ele, muitos nada mais são do que uma reinvenção daquilo que já foi inventado.

            NOVAS CONSTRUÇÕES

            Para o estudioso norte-americano Hayden Write, o próprio passado é uma construção, ele desenvolveu a sua análise formalista que estudou as obras dos grandes historiadores do séc. XIX e relacionou a narrativa dessas obras com a construção de um enredo, seguindo um gênero literário, de acordo com o estilo de cada autor.

            A CONSTRUÇÃO DE CLASSE E DE GENERO

            Trata-se da possibilidade de flexibilidade e fluidez de termos que antes eram firmes e fixos. Os termos: classe e gênero, agora, podem se mover de acordo com o contexto social em que se encontra uma sociedade.

            A CONSTRUÇÃO DE COIMUNIDADES

            Destaca-se aqui a obra Imagined comunities, de Anderson, que deu uma contribuição importante para o estudo do nacionalismo moderno, tendo como característica uma visão não eurocêntrica , abordando a cultura e a política e enfatizando a história da imaginação. Para ele a cultura do nacionalismo é formada consciente ou inconscientemente pelas idéias de religião ou política.
            Também merece destaque a idéia de invenção da tradição, de Hobsbawm, que diz que as tradições podem ser muitas vezes recentes de origens, ou até mesmo inventadas.
            A partir da idéia de tradição e da busca pela identidade aproximando as semelhanças e evidenciando as diferenças, é que surge a construção da comunidade.

            A CONTRUÇÃO DA MONARQUIA

            Neste item o autor utiliza estudos de outros autores e também seus, para mostrar como a “representação” num sentido teatral, pode construir no imaginário das pessoas a imagem do real.
            Em Scenarios of Power (1995) de Richard Wortman, foca o poder do mito e da cerimônia explorados, como cenário, para a formação da monarquia russa.
            Outra obra citada é Splendid Monarchy: Power and Pageantry in Moder Japan (1996) de Takachi Fugitani, onde ele argumenta que a encenação feita por uma elite imperial japonesa em 1868, de que o império estava envolvido com as culturas e tradições das pessoas comuns, Convenceram-nas da importância do imperador.
            Em sua obra, A Fabricação do Rei, (1992) P. Burke, conta como a encenação, a ritualização, ou mesmo a teatralização da vida cotidiana de Luis XIV, ajudaram na formação da imagem do rei, e como essa, era criada e recriada no desempenho do papel e nas performances de representações do rei da França.

            A CONSTRUÇAÕ DAS IDENTIDADES INDIVIDUAIS

            A construção da identidade individual é de grande importância para a NHC, este estudo visa mostrar como as pessoas tentavam construir suas próprias identidades, Desde as pessoas comuns como os artesãos e os sapateiros, até personagens históricos importantes como Cristóvão Colombo. Esses estudos eram feitos sobre documentos como cartas, narrativas de viagens, diários e outros.

            PERFORMANCES E OCASSIÕES

DESEMPENHO NA HISTÓRIA CULTURAL


            A partir de 1970, os historiadores começaram a mudar o foco, do roteiro para a performance social. Citando vários estudos, o autor mostra como essa idéia de performance vem se destacando no contexto da história cultural. Rituais de batismo, ou casamentos, procissões, contos populares e boatos, são alguns exemplos de objetos de estudo da performance.
            O conceito de performance, no entanto é bem maior do que simples representação trata-se de uma recriação do papel desempenhado, sendo que, seu significado muda de acordo com a ocasião vivida.

            ASCENÇÃO DO OCASIONALISMO

            O autor aborda aqui, a capacidade que as pessoas possuem de mudar de comportamento e atitudes conforme a ocasião. Essa capacidade ele chama de ocasionalismo, que significa um distanciamento da idéia de reações fixa, pois as mesmas podem produzir respostas flexíveis, dependendo da lógica ocasional.

            DESCONSTRUÇÃO

            O autor enfatiza o papel dos historiadores na construção das categorias sociais. Citando a obra Mestizo Logic, (1991) do antropólogo francês Jean-Loup Amselle, sobre a identidade na África, onde ele argumenta contra a visão de tribos ou grupos étnicos, a favor do que ele chama de “Sistemas de Transformação”, pelo qual a identidade estaria em constante reconstrução.
            Essa construção social apresenta problemas, como: “quem esta fazendo a construção? Sob que restrições? A partir de que? (Burke, 2004, p.129) As respostas a essas questões devem levar em conta o motivo da construção, qual a visão do construtor, qual o contexto vivido por ele, e quais materiais foram usados”.
            Conforme surge novas idéias e novas circunstancias também surge à necessidade de transformações e adaptações nas tradições, isso se torna um processo de construção e reconstrução contínua, que precisará ser investigado e atualizado.

            CAP.6: ALÉM DA VIRADA CULTURAL

            Diante das criticas feitas à nova história cultural, o autor faz uma reflexão sobre o histórico da NHC, desde seu nascimento, passando pelo seu desenvolvimento até os dias atuais e sugere algumas alternativas para o futuro: um renascimento da história cultural tradicional que ele chamou de “o retorno de Burkardt”; continuar expandindo para outros domínios; ou reagir contra o construtivismo, que ele chamou de “a vingança da história social”.(Burke, 2004, p.132).

            O RETORNO DE BURKARDT

            O autor argumenta que as idéias de Burkardt, nunca desapareceram por completo da NHC, e sugere uma ênfase maior sobre a alta cultura, pois a mesma tem uma ausência notável nos estudos culturais atuais. Esses estudos poderiam, por exemplo, serem feito sobre a visão do iluminismo pelos grupos sociais, ou qual o impacto do renascimento na vida cotidiana.

            POLÍTICA, VIOLÊNCIA E EMOÇÕES.

            A HISTÓRIA CULTURAL DA POLÍTICA

            Neste item o objetivo é mostrar a proximidade entre política e cultura, e como esses termos é importante para a NHC, apesar dessa aproximação já ser notada no passado, foi nos estudos de Murray Edelman, no livro Polítcs as Simbolic Action, (1971) que se deu a “virada cultural”, abordando rituais e outros aspectos simbólicos do compartimento.
            Conceitos como “cultura política”, “regras de comportamento político” e “práticas simbólicos”, (Burke, 2004, p.136) surgiram como evidencias dessa aproximação entre as idéias de cultura e política.

            A HISTÓRIA CULTURAL DA VIOLÊNCIA

            Mostra-se que a relação entre cultura e violência, ou seja, a violência pode emergir de uma visão cultural. Estudos feitos sobre a primeira guerra mundial revelaram o poder simbólico representado pelos castelos, e frotas navais, que eram usados como uma espécie de “teatro” para ostentação de força e riqueza. Esse e outros estudos realizados sobre guerras, limpezas étnicas, tumultos, etc, segundo alguns historiadores dão sentidos culturais à violência, muitas vezes vista como algo sem sentido.

            A HISTÓRIA CULTURAL DAS EMOÇÕES

            Apesar de alguns historiadores, defender uma história das emoções, esse é um assunto que ainda não esta bem esclarecida neste livro. O autor cita algumas obras e alguns conceitos como: “revolução afetiva” “navegação ou administração emocional”, “regime emocional” e até mesmo “virada performativa”, porém não está claro o objeto de estudo desse tema. Para ele, os próprios historiadores das emoções, ainda não se decidiram se são minimalistas ou maximalistas, termos que, segundo ele, restringem ou ampliam, os focos e os objetos de estudo.

            A HISTÓRIA CULTURAL DA PERCEPÇÃO

            O autor cita várias obras e autores que estudaram a cultura dos sentidos, entre eles, Gilberto Freire que estudou o cheiro dos quartos de dormir no Brasil do séc. XIX, e o francês Alain Corbin, no livro Saberes e Odores, (1986) que estudou sobre a “imaginação social dos franceses”. (Burke, 2004, p.146) E muitas outras obras sobre som, ruídos sensibilidades, etc.
            O autor considera que um estudo geral dos sentidos é mais importante do que estudar cada sentido isoladamente.

            A VINGANÇA DA HISTÓRIA SOCIAL

            O autor chama a atenção para uma reação contra a NHC, que pode surgir em função da amplitude de seu campo de estudos, e apresenta três problemas, considerados especialmente sérios em seu programa: a definição de cultura, os métodos a serem seguidos na NHC, e o perigo da fragmentação. (Burke, 2004, p. 146) Ele revela uma enorme dificuldade em distinguir hoje, o que é cultural e o que é social, esses termos estão sendo usados de maneiras indissociáveis, assim como a definição, os métodos também não esclarecem, pois não existem meios, que possam desfazer o impasse que pode ser causado quando dois historiadores, lerem os mesmos objetos de formas diferentes; nem provas concretas que parcelas mínimas, usadas como estudo possa representar toda uma sociedade. E por último, o problema da fragmentação, como obter de um grupo pequeno, a representação de um todo.

            FRONTEIRAS E ENCONTROS

            As fronteiras podem ser físicas, ex: rios, oceanos ou fronteiras entre países, etc, ou culturais. As fronteiras culturais se distinguem em visões de fora e visões de dentro. Vistas de fora, as fronteiras culturais podem parecer visíveis e de fácil mapeamento, no entanto, podem esconder algumas culturas menores, como por exemplo: dentro de uma região de maioria católica, algumas famílias mulçumanas podem passar desapercebidas. Por isso, os historiadores precisam da visão de dentro, que torna perceptível aquilo que estava escondido.
            Outra distinção útil seria a função das fronteiras culturais, pois essa região, situada entre duas culturas, pode funcionar como “ponto de contato” dessas culturas.

            INTERPRETAÇÃO DOS ENCONTROS CULTURAIS

            O termo encontro cultural está relacionado a uma nova perspectiva na história e visa dar atenção, tanto a visão dos vencidos como a dos vencedores.
            Neste sentido, surgiram alguns termos de mudanças culturais: “tradução cultural”, “hibridez cultural” e “lingüística”, que são processos utilizados como meios, para proporcionar a adaptação a esses encontros culturais nos campos da religião, música, etc.

            NARRATIVA COMO HISTÓRIA CULTURAL

            O autor refere à possibilidade da volta da narrativa para o contexto da história cultural, porém essa “renovação da narrativa” seria voltada e preocupada com as experiências das pessoas comuns. Segundo o autor, a narrativa de feitos de determinado grupo, pode esconder a repressão a outro, e pode até mesmo mascarar a persistência da tradição e da violência.